domingo, 26 de outubro de 2025

A Historia: Ser Portugues (2000)


Titulo: A Historia: Ser Portugues (2000)
Idioma: PT-PT
Formato: CBR
# Paginas: 155
Scan/Restauro: BDPortugal/BDPortugal
Tamanho: 404.94MB


Esta obra reune inumeras obras de arte de Carlos Alberto Santos, baseadas em personagens da Historia de Portugal. Deixo-vos o prefacio do prof. Jose Hermano

A HISTORIA / THE HISTORY

O meu amigo e distinto pintor Sr. Carlos Alberto Santos pede-me algumas palavras que possam servir de prefacio a um livro em que vai reunir a memoria da sua ja muito vasta obra artistica. Nao escondo a minha dificuldade e perplexidade perante a solicitacao. Porque pedir a um historiador que apresente a obra de um pintor? A primeira vista nada ha de mais dissemelhante: a pintura e uma arte plastica, alicerca-se na imagi-nacao livre, e uma reconstrucao do espirito sem outro freio que nao seja o da nossa fantasia. E a historia e necessariamente disciplinada, severa, incompativel com as audacias da imaginacao. O pintor pinta o presente, o historiador descreve o preterito. Um faz arte, o outro aspira a fazer ciencia. Aparentemente, sao poios antonimos da esfera cultural. Mas so aparentemente. Um escritor latino, Plinio o moco, escreveu uma verdade lucida: "Historia, quoque modo scripta, delectat" - a historia fascina qualquer que seja a forma como se escreva. E penso que neste quoque modo o escritor abrangia a historia escrita com os pinceis, ao modo do meu amigo Carlos Alberto Santos. Foi aos temas da historia nacional que ele consagrou a quase totalidade da sua obra. E nisso e uma pre-senca excepcional nas artes plasticas portuguesas, que - excluido o campo das encomendas oficiais - se tem mostrado tao exigua na representacao dos episodios do nosso passado historico. Esse motivo seria o suficiente para saudar com agradecimento a publicacao deste livro, que vem enriquecer consideravelmente a iconografia historica nacional. O pintor pendeu sem duvida sempre mais para a poesia que para a severidade da erudicao. Os ambientes feericos do milagre e da lenda ocupam o melhor espaco das suas telas. Nao quis ser um documentalista, e fez bem, porque so assim se podia manter essencialmente pintor, fiel a sua subjectividade. E isto coloca de ime-diato a questao: a historia e arte ou e ciencia ou em que medida as suas raizes participam desses opostos hemisferios culturais? E curioso registar que o grande pensador da historia que foi Marc Bloch, depois de escrever que questoes dessas (saber se a historia e arte ou e ciencia) sao boas para lancar no alforge dos pleitos da escolastica, poe em relevo o caracter artistico da historia, e vai ao ponto de afirmar que a distancia que separa o estudioso do mundo fisico, do estudioso do espirito humano, e tao grande como a que vai de um fre-sador a um afinador de instrumentos musicais. O caracter artistico da historia nao se desliga do facto de todos os grandes historiadores serem, simultaneamente, eximios cultores da arte literaria. Pense-se em Michelet, Herculano, F. Braudel. E, inversamente, os que investigaram, descobriram e publicaram muito nao ultrapas-sam a craveira de uma mediania honrosa: e o caso, para dar um exemplo, de um Gama Barros, que talvez tenha direito ao titulo de maior investigador dos tempos modernos em Portugal. Mas a questao vai muito para alem do estilo literario: ha a realizacao mental, as linhas gerais, as perspectivas, a cadencia narrativa. Fernao Lopes foi porventura o maior pintor de quadros historicos do seu tempo. E ha tambem a penetracao psicologica, o angulo de visao, o ritmo problematico, a capacidade de agarrar o interesse ou de merecer a atencao do leitor. Ate nos rumos da pesquisa intervem componentes esteticas. E todos esses dons e talentos sao uma especie de "graca" no sentido transcendental: muitos foram os chamados aos terreiros da historia, poucos merecem a qualificacao de historiadores. Sobre a qualidade historica do pintor apresentado nao me atrevo a pronunciar-me. Ha uma fortissima carga emocional na forma como Carlos Alberto sente a nossa historia. Os factos, que nos apresenta existem neles mesmos, ou na alma do pintor? Tambem isso se prende com um problema mais geral, e do qual nem todos se dao conta: o facto historico existe nele proprio ou em nos? A pergunta pode, ao leigo, parecer uma va logomaquia, mas traduz uma situacao real. A historia de cul-tura esta repleta de factos que so existem em nos. Pensemos nos Idola, de F. Bacon. Ou, mais perto de nos no contrato social, facto nao-real que serve de base a toda a dogmatica subjacente a organizacao do Estado moderno. Em Portugal tiveram funcao de factos pivots as Cortes de Lamego e o mandato sobrenatural de Ourique. Nada disso aconteceu, e teve uma existencia a posteriori decisiva. E bem possivel que os factos a que chamamos reais o sejam porque lhes podemos comprovar a existencia nao so em nos mas tambem fora de nos. Se porem eles existirem fora, mas nao dentro de nos, nao fazem parte da historia porque os nao conhecemos. Por outras palavras: nao e por ser facto que se e historia mas por ser conhecido. E isto remete-nos para a teo-ria do conhecimento: racionalismo ou empirismo? So que na historia a disjuntiva e impossivel. Convergencia, simultaneidade, dupla dimensao e o que faz a verdade da historia. Fico por aqui por reparar que ja ultrapassei o limite grafico de pagina necessaria. Mas penso que esta necessidade de pensar, de prescrutar ate longe a verdade das cousas, e o maior elogio que se pode fazer da obra artistica de Carlos Alberto Santos.


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Nota: Este post e' fruto de uma parceria Mundoquadrinhos/TralhasVarias.

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