terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Coleccao Argonauta 107: O Imperio dos Mutantes (1966)


Titulo: Coleccao Argonauta 107: O Imperio dos Mutantes (1966)
Idioma: PT-PT
Formato: CBR
# Paginas: 185
Scan/Restauro: Ruychi/Ruychi
Tamanho: 40.10MB


Resumo:
Mais um livro de Stefan Wul, grande escritor francA�s de FC que a ColecA�A�o Argonauta apresenta entre nA�s. Deste famoso romance, um dos mais emocionantes deste autor, transcrevemos seguidamente um expressivo texto:
O homem emigrara para planetas-paraA�sos de sistemas longA�nquos havia muitos sA�culos.
Em volta do Sol, apenas gravitavam mundos quase desertos. Apenas VA�nus albergava uma sociedade organizada, relA�quia do antigo ImpA�rio. Mas trA�s quartas partes da CiA�ncia tinham-se perdido. E a grande desconfianA�a oficial em relaA�A�o aos sA�bios, contribuA�a para apressar essa decadA�ncia. Acreditava-se ser suficiente utilizar velhas receitas herdadas do passado, mas que uma teocracia timorata considerava inofensivas.
Quanto A� Terra... ! Era o planeta maldito. Era proibido tocar-lhe. AliA�s o seu clima pluvioso e desesperante era suficiente para afastar os curiosos. SA� contrabandistas sem fA� e sem lei ousavam aventurar-se a lA� chegar. Iludindo a vigilA�ncia da polA�cia espacial, esses bandidos praticavam o comA�rcio das antiguidades terrestres, cuja procura continuava a ser forte por parte de certos depravados.
Em VA�nus, a CiA�ncia era tolerada. Mas o ConsistA�rio, presidido por sua Alta PrudA�ncia, encarregava-se de a manter dentro dos limites inofensivos. Do mesmo modo nos tempos antigos, certas tribos africanas tinham tolerado a presenA�a, entre elas, dos ferreiros necessA�rios A� Economia local, mas suspeitos de comA�rcio perigoso com os espA�ritos do fogo.
As gentes de VA�nus ignoravam tais factos, como ignoravam toda a protohistA�ria terrestre. Em relaA�A�o aos sA�bios, obedeciam contudo a reflexos da mesma natureza. Podiam alguns investigadores aceder a altas posiA�A�es sociais e ser cidadA�os respeitados, mas o homem mA�dio continuava a ver neles perigosos prestidigitadores.
Felizmente, havia os padres.
Joachim, o Mestre-biA�logo, recebia todos os mesees a visita do Inspector-Padre.
Joachim ditava o seu relato mensal ao fixo-fone. A campaA�nha da entrada retiniu. Joachim premiu um botA�o e olhou o A�crA�. Viu a cara do Inspector-Padre. Deixou o trabalho e dirigiu-se ao corredor para ir abrir a porta. Teria podido, por certo, abrir a porta sem sair do escritA�rio. Mas, para sua VigilA�ncia, seria incorrecto. Era conveniente ser ele prA�prio a abrir.
O Inspector entrou e fez um sinal com o dedo. Disse: - Levante a cara, Mestre-BiA�logo.
Joachim interrompeu a sua reverA�ncia ritual e apressou-se a dizer:
- Como se sente Vossa VigilA�ncia?
Era um estranho espectA�culo ver um velho encanecido desfazer-se em atenA�A�es para com um jovem. Mas esse jovem usava a insA�gnia sacerdotal, que impunha o respeito.
- Bem, obrigado, - disse o Inspector. - Vamos para o seu escritA�rio, se nA�o se importa.
Joachim precedeu-o, dizendo:
- Estou a acabar o relatA�rio. Levo apenas dois minutos, Vossa VigilA�ncia.
Depois, entrou no escritA�rio:
- Queira sentar-se. NA�o demoro.
O Inspector abanou condescendentemente a cabeA�a e instalou-se numa poltrona. Joachim teve um sorriso de desculpa e premiu um contacto no fixofone. O aparelhe repetiu a Aoltima frase ditada:
- O A�xito destas experiA�ncias clA�ssicas mostra que marcamos passo hA� dois anos no mesmo tema...
Joachim continuou:
- Parece incontestA�vel que as mesmas leis sA�o aplicA�veis aos Vertebrados superiores. E nA�o se compreende porque seria o Homem uma excepA�A�o. Sem ir demasiado longe, ousamos esperar que o ConsistA�rio estatuirA� a favor de experiA�ncias mais ousadas; em aves, talvez.
Calou-se e virou o manA�pulo de registo para enrolar a fita em sentido contrA�rio. O aparelhe tiniu. Joachim soltou um suspiro.
- EstA� pronto - disse.
O Inspector tinha o sobrolho carregado. O biA�logo esperou que ele se dignasse abrir a boca.
- Vai demasiado longe - disse enfim o Inspector.
- NA�o lhe agrada, Vossa VigilA�ncia?
- Digo que vai longe. Fala do Homem. Temo que essas palavras se aproximem da incorrecA�A�o.
As mA�os de Joachim agitaram-se.
- Que o Grande Ser me defenda de alimentar maus desA�gnios, Vossa VigilA�ncia. NA�o sA�o mais do que palavras emitindo uma hipA�tese cientA�fica. Tocar na embriologia do Homem A� um sacrilA�gio, sei-o. Sinto horror em pensar que... mas da palavra aos actos vai muito, nA�o A� assim?
- Sem dAovida, sem dAovida, mas esta frase A� infeliz e o ConsistA�rio serA� desagradA�velmente influenciado por ela. NA�o sei se a experimentaA�A�o em aves lhe serA� concedida.
Joachim apontou para o fixofone.
- Vossa VigilA�ncia quer ouvir de princA�pio?
- NA�o, nA�o. DA�-me simplesmente o rolo. SerA� escutado a tempo e horas. Resuma-me rA�pidamente o seu trabalho do mA�s.
O SA�bio abriu o aparelho e deu o rolo ao visitante. Este colocou-o na pasta e cruzou os dedos, numa atitude de espera.
Joachim torriu.
- Hum... Ei-lo! Consegui provocar num frasco a gA�nese de um batrA�quio normal a partir de um ovo fecundado e depois tornado a fecundar pelo nAocleo de uma cA�lula vulgar, colhida num ser adulto. A primeira cA�lula provinha de um simples epitA�lio.
- Traduzindo a sua algaraviada cientA�fica: retirou o nAocleo de um ovo normal, substituA�u esse nAocleo pelo de uma cA�lula qualquer, colhida noutro indivA�duo. O ovo satisfez-se perfeitamente e continuou a engordar para dar um sapo...
- Uma rA�!
- Se quisr... Para dar uma rA� normal e... !
- Esta rA� era gA�mea da primeira
Se dizer uma palavra, o jovem Inspector-Padre tirara um dossier da pasta. Parecia procurar aA� qualquer coisa. Joachim inquietou-se.
"Que vai ele encontrar ainda - pensava - Ah! Que saudades tenho do outro!"
O outro? Era o velho Inspector bonacheirA�o que morrera seis meses antes. O outro arredondava sempre os A�ngulos, fazia-se o menos rigoroso possA�vel, humanizava as consignas. Mas o novo mostrava-se intratA�vel, ainda que sem malevolA�ncia. Exteriorizava um zelo de principiante.
- Ah! CA� estA�! - exultou ele, pondo o dedo numa pA�gina do dossier.
Joachim teve um sobressalto.
- CA� estA� - repetiu o Inspector. Leio isto na sua Aoltima folha: ...Autorizado a prosseguir as suas experiA�ncias genA�ticas com peixes.
- Sim, Vossa VigilA�ncia?
- Com peixes, e nada mais, Mestre-BiA�logo. E o senhor fala-me abertamente de rA�s. Ultrapassa os seus direitos.
"E contudo A� verdade", pensou Joachim com irritaA�A�o. E sA� li a Aoltima folha. O outro ter-se-ia rido apenas e teria acrescentado A� margem a palavra batrA�quio. "Tanta coisa por uma rA�"!
- A� um animal aquA�tico - arriscou.
- Vamos, vamos, Mestre-BiA�logo, os castores tambA�m sA�o animais aquA�ticos. NA�o ouso pensar nas reacA�A�es do ConsistA�rio se o senhor tivesse trinchado embriA�es de castores sem autorizaA�A�o oficial. Mas, tal como se apresenta, o seu caso A� jA� suficientemente feio.
- Estou desolado, Vossa VigilA�ncia. Sou um velho distraA�do. Que soluA�A�o pensa...?
- VA�o certamente destruir os seus instrumentos de experimentaA�A�o em presenA�a de testemunhas designadas. Ouso esperar que Sua Alta PrudA�ncia...
(Os dois homens inclinaram-se) ... nA�o se mostre severo de outro modo para consigo - concluA�u o Inspector.- E agora digamos a oraA�A�o. Parece-me necessitado.
Recitaram em conjunto, de face inclinada: "Oh Grande Ser, protege os que tA�m de meter as mA�os na CiA�ncia. Conserva-os nos limites fixados por sua Alta PrudA�ncia. Protege-os das curiosidades excessivas e das tentaA�A�es perigosas."
Joachim levantou a cabeA�a, mas apercebeu-se que o Inspector-Padre conservava a sua inclinada, numa atitude recolhida.
Fez o mesmo e pelo canto do olho procurou ver quando dignaria endireitar-se o seu visitante.
O Inspector pareceu enfim sair da sua meditaA�A�o. Estendeu a mA�o.
- DA�-me a chave do laboratA�rio - disse ele.
- Eu... Oh! Sim, perfeitamente, Vossa VigilA�ncia.
Esta severidade excedia as suas mais sombrias previsA�es. Obedeceu contudo. O Inspector foi fechar a porta do laboratA�rio e pA�s a chave na pasta. Teve um sorrisozinho protector.
- Esperemos que o ConsistA�rio lha devolva brevemente - disse ele, saindo. - NA�o peque, Mestre-BiA�logo.
Depois de uma Aoltima saudaA�A�o, Joachim fechou a porta de entrada e permaneceu imA�vel, a olhA�-la. LA�grimas de raiva impotente brilhavam nos seus olhos. Secou-as finalmente e atirou-se para cima de uma cadeira, de cabeA�a entre as mA�os.
- A CiA�ncia - disse ele em voz alta. - A CiA�ncia nA�o A� assim tA�o mA�. Sem a CiA�ncia, VA�nus nunca teria sido habitA�vel. Foram os sA�bios que, noutros tempos, regularizou o seu clima.
Ainda que encolerizado, ele teve a impressA�o de blasfemar, enquanto uma voz interior lhe dizia: "sem a CiA�ncia e os SA�bios, a Terra teria permanecido habitA�vel e o Homem nA�o teria tido necessidade de emigrar".
Em VA�nus, ninguA�m pronunciava o nome do planeta maldito sem pedir desculpa. Era uma grosseria. Joachim teve uma explosA�o de revolta infantil. Gritou com todas as suas forA�as:
- Viva a Terra! Viva a CiA�ncia!
Depois, inquieto, correu A� janela para ver se ninguA�m o tinha ouvido. O toque da compaA�nha fez-lhe tremer as pernas. Empalideceu. Admitiu o regresso do Inspector-Padre e viu rA�pidamente se este nA�o se teria esquecido da pasta... NA�o!
Quem o visitava?
Murmurou:
- Oh! PerdA�o, Grande Ser, perdA�o.
Foi abrir.

Autor: Stefan Wul
TA�tulo original: La Mort-Vivante
1A� EdiA�A�o: 1958
Publicado na ColecA�A�o Argonauta em 1966
Capa: Lima de Freitas
TraduA�A�o: Amadeu Lopes Sabino



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Nota: Este post e' fruto de uma parceria Mundoquadrinhos/TralhasVarias.

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